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quinta-feira, 24 de novembro de 2011

ESBOÇO EM DEFESA DE UMA ESCATOLOGIA AMILENISTA

INTRODUÇÃO

Diante do quadro que hoje se apresenta, no que diz respeito à interpretação do livro de Apocalipse, principalmente com relação às diversas correntes escatológicas que foram desenvolvidas neste último século, entendemos a necessidade de uma pesquisa teológico-filosófica disposta a analisar a escatologia contemporânea, a partir do livro de Apocalipse, com uma ênfase na questão dos conceitos do milênio e suas correntes de pensamento.
O objetivo desse trabalho é mostrar o significado do termo Amilenismo, bem como o cerne de suas principais doutrinas e argumentações propostas para apoiá-las, seus principais defensores e suas implicações na teologia atual, bem como os aspectos negativos e positivos de cada uma delas.

I.     O AMILENISMO
1.1    A APLICAÇÃO E SIGNIFICAÇÃO DO TERMO.
Normalmente costuma-se criticar o amilenismo por acharem que ele é demasiadamente negativo, aplicando seus esforços principalmente em fazer oposição aos sistemas escatológicos de que discorda. Deixando de lado a questão de se esta crítica é verdadeira ou falsa, este trabalho pretende mostrar algumas afirmações positivas feitas por teólogos amilenistas.
O termo amilenismo não é muito apropriado ou adequado, pois sugere que os amilenistas não crêem em qualquer tipo de milênio ou simplesmente ignoram os seis primeiros versos de Apocalipse 20, que falam de um reino milenar. Nenhuma destas duas afirmações é verdadeira, afirma Hoekema.[1] Apesar de ser verdade que os amilenistas não creem em um reino terreno literal de mil anos que se seguirá ao retorno de Cristo, o termo amilenismo não é uma descrição precisa do seu ponto de vista.
Alguns substituem o termo amilenismo pela expressão milenismo realizado, que com certeza, descreve a posição “amilenista” de forma mais precisa que o termo mais comum, já que os “amilenistas” creem que o milênio de Apocalipse 20 não é exclusivamente futuro, mas está hoje em processo de realização. Porém, apesar de limitado utilizaremos o termo mais comum, amilenismo.

1.2 A HISTÓRIA DO AMILENISMO
Alguns têm achado elementos amilenistas bem cedo na história da Igreja Cristã. Erickson afirma que "na Epístola de Barnabé, um tipo muito primitivo de escatologia amilenista"[2] pode ser percebido. O amilenismo tem estado presente, numa forma nem sempre diferenciada do pós-milenismo, durante longos períodos da história da Igreja.
Ainda que não tenha havido nenhum amilenismo radical nos primeiros séculos da Igreja, elementos amilenistas, no mínimo, provavelmente estavam presentes. Foi Agostinho, porém, aquele que sistematizou e desenvolveu a abordagem; o argumento mais significante que Agostinho fez é que o milênio não é primariamente temporal nem cronológico, seu significado, pelo contrário, se acha naquilo a que simboliza; Esta tradição continuou na Igreja nas vertentes católicas e protestantes até o século dezenove, quando o pós-milenismo foi desenvolvido pela primeira vez de modo total e abrangente se separando do amilenismo.
Com o declínio do pós-milenismo durante o século vinte, números consideráveis de pós-milenistas anteriores acharam necessário ajustar sua escatologia. Porque o pré-milenismo representava uma alteração por demais radical, a maioria optou pelo amilenismo. O surto do amilenismo, portanto, pode ser relacionado com os eventos que precipitaram a crise para o pós-milenismo. Para alguns, era claramente uma mudança de doutrina, para outros, era simplesmente adotar uma posição sobre um ponto-de-vista a respeito do qual não tinham tomado posição antes.
Para o teólogo Louis Berkhof, há um grande número de pensadores que não creem que a Bíblia autoriza a expectação de um milênio, sendo costume falar deles como amilenistas. Esse sempre foi o conceito mais amplamente aceito, e é o único que vem expresso ou implícito nas grandes confissões históricas da igreja, e sempre foi o conceito predominante nos círculos reformados.[3] Atualmente, na sua grande maioria, os conservadores dos grupos reformadores históricos são amilenistas (Presbiterianos e outros).
Segundo Franklin Ferreira, o amilenismo tem sido defendido por homens como Hipólito de Roma, Agostinho de Hipona, Martinho Lutero, Filipe Melanchton, João Calvino, Richard Baxter. E entre os pregadores e teólogos contemporâneos que afirmam esta posição estão: Jay Adans, Louis Berkhof, J. I. Packer, John R. W. Stott, D. M. Lloyd-Jones, William Hendriksen, Abrham Kuyper, Herman Bavinck, R. C. Sproul, Leon Morris e Anthony Hoekema.[4]

1.3 A ESCATOLOGIA AMILENISTA
Este esboço cobrirá duas áreas da escatologia amilenista: A escatologia inaugurada - Aspecto da escatologia que já é presente hoje, na era do Evangelho e a escatologia futura.
1.3.1 A Escatologia Inaugurada:
A) Cristo conquistou a vitória decisiva sobre o pecado, a morte e Satanás. O dia mais importante na História, portanto, não é a Segunda Vinda de Cristo, que é ainda futura, mas a primeira vinda, que ocorreu no passado;
B)  O Reino de Deus é ao mesmo tempo presente e futuro. Os amilenistas não creem que o reino de Deus seja primeiramente um reino judeu envolvendo a restauração de forma literal do trono de Davi. E também não crêem que por causa da descrença dos judeus de sua época Cristo tenha adiado o estabelecimento do reino para a época de seu reino futuro no milênio, na Terra. Os amilenistas creem que o reino de Deus foi fundado por Cristo na época de sua peregrinação na Terra, está operante hoje na história e destina-se a ser revelado em sua plenitude no porvir;
C)  Apesar de o último dia ser ainda futuro, estamos hoje nos últimos dias. Os amilenistas entendem a expressão "últimos dias" não meramente como referência à época imediatamente anterior à volta de Cristo, mas como uma descrição do tempo entre a primeira e a segunda vinda de Cristo;
D) No que concerne aos mil anos de Apocalipse 20, estamos hoje no milênio. A posição amilenista sobre os mil anos de Apocalipse 20 implica em que os cristãos que vivem hoje estão gozando os benefícios do milênio, pois Satanás foi preso - estar preso não significa que não esteja ativo – por todo este período ele não pode enganar as nações e nem impedir a propagação do Evangelho e das missões. Uma segunda implicação é que durante este período de mil anos as almas dos crentes que morreram estão já vivendo e reinando com Cristo no Céu enquanto esperam a ressurreição do corpo.

1.3.2 A Escatologia Futura:
A) Os "sinais dos tempos" aplicam-se tanto ao presente quanto ao futuro. Os amilenista creem que a volta de Cristo será precedida de certos sinais, porém, estes sinais não devem ser encarados como se referissem exclusivamente a época logo antes da volta de Cristo. Eles têm estado presentes de alguma maneira desde o princípio da era Cristã;
B)  A segunda vinda de Cristo será um único evento. Os amilenistas não encontram base bíblica para a divisão que os dispensacionalistas fazem da segunda vinda em duas etapas, com um período de sete anos. Compreendem a volta de Cristo como um evento único;
C)  Na volta de Cristo haverá uma ressurreição geral tanto de crentes quanto de não crentes;
D) Após a ressurreição, os crentes ainda vivos serão repentinamente transformados e glorificados. A base deste ensino é o que Paulo diz em 1Co 15.51,52;
E)  Acontece então o "arrebatamento" de todos os crentes. Os crentes que acabaram de ressuscitar dos mortos, juntamente com os crentes ainda vivos que acabaram de ser transformados, serão agora arrebatados entre nuvens para o encontro com do Senhor nos ares (1Ts 4:17);
F)   Segue-se o juízo final. Enquanto os dispensacionalistas costuma ensinar que haverá pelo menos três julgamentos distintos, os amilenistas discordam. Eles veem evidências escriturísticas apenas para um único Dia do juízo, que ocorrerá na segunda volta de Cristo. Todos os homens comparecerão então perante o trono de julgamento de Cristo;
G) Após o julgamento é introduzido o estado final. Os incrédulos e todos aqueles que rejeitaram a cristo passarão a eternidade no inferno, enquanto os crentes entrarão na glória eterna na nova terra.

1.4 ASPECTOS DO AMILENISMO
Ao examinarmos as características do Amilenismo percebemos algumas semelhanças com o pós-milenismo e total discordância com o pré-milenismo. Isto gera alguns aspectos, tanto positivos, como negativos.

1.4.1 Pontos Positivos:
Do lado positivo, o amilenismo reconhece que a profecia e escatologia bíblicas fazem uso de grande quantidade de simbolismo. Os amilenistas, de modo geral, tem procurado levar a sério a natureza da literatura bíblica e tem perguntado o que esta sendo transmitido dentro daquele meio ambiente cultural, reconhecendo que o simbolismo pode estar presente e operante ainda quando não é obvio.
Em segundo lugar, o amilenismo tem procurado fazer exegese séria das passagens bíblicas relevantes, como Daniel 6 e Apocalipse 20.
E por fim, o amilenismo, tem uma filosofia realista da história.

1.4.2 Pontos Negativos:
As maiores dificuldades do amilenismo se concentram na interpretação das duas ressurreições e um pessimismo sobre as condições da humanidade que antecedem a segunda vinda de Cristo.
A interpretação convencional amilenista é que há dois tipos diferentes de ressurreição, uma ressurreição espiritual e uma física, respectivamente. Mediante um exame pormenorizado, no entanto, pergunta-se se isto cria uma distinção onde não existe nenhuma.
O segundo e último aspecto negativo é que os amilenistas passam um pessimismo exagerado quando não acreditam num crescimento da justiça em escala mundial, um período de paz para humanidade e nem que a evangelização será bem sucedida como um sinal para a volta de Cristo. Cristo voltará, mas não necessariamente estes episódios terão que anteceder sua volta.

1.5 ARGUMENTOS A FAVOR DO AMILENISMO
1. Os amilenistas entendem Apocalipse 20:1-6, referindo-se a presente era da igreja. A passagem é esta:
E vi descer do céu um anjo, que tinha a chave do abismo e uma grande cadeia na sua mão. Ele prendeu o dragão, a antiga serpente, que é o Diabo e Satanás, e o amarrou por mil anos. Lançou-o no abismo, o qual fechou e selou sobre ele, para que não enganasse mais as nações até que os mil anos se completassem. Depois disto é necessário que ele seja solto por um pouco de tempo. Então vi uns tronos; e aos que se assentaram sobre eles foi dado o poder de julgar; e vi as almas daqueles que foram degolados por causa do testemunho de Jesus e da palavra de Deus, e que não adoraram a besta nem a sua imagem, e não receberam o sinal na fronte nem nas mãos; e reviveram, e reinaram com Cristo durante mil anos. Mas os outros mortos não reviveram, até que os mil anos se completassem. Esta é a primeira ressurreição. Bem-aventurado e santo é aquele que tem parte na primeira ressurreição; sobre estes não tem poder a segunda morte; mas serão sacerdotes de Deus e de Cristo, e reinarão com ele durante os mil anos.
De acordo com a interpretação amilenista[5], a prisão de Satanás nos versículos 1 e 2 é a prisão que ocorreu durante o ministério terreno de Jesus. Ele falou sobre amarrar o valente a fim de poder saquear a casa (Mt 12.29 - "Ou, como pode alguém entrar na casa do valente, e roubar-lhe os bens, se primeiro não amarrar o valente? e então lhe saquear a casa") e disse que o Espírito de Deus estava presente naquele tempo em poder para triunfar sobre as forças demoníacas: "Mas se é pelo Espírito de Deus que eu expulso demônios, então chegou a vocês o Reino de Deus" (Mateus 12.28). Semelhantemente, com respeito à destruição do poder de Satanás, Jesus disse durante o Seu ministério: "Eu vi Satanás caindo do céu como relâmpago" (Lucas 10.18).
O amilenista argumenta que essa prisão de Satanás em Apocalipse 20:1-3 tem um propósito específico: "para assim impedi-lo de enganar as nações" (v. 3). Isso, então, é o que aconteceu quando Jesus veio e o evangelho começou a ser proclamado não simplesmente aos judeus, mas, após o Pentecostes, a todas as nações do mundo. De fato, a atividade missionária mundial da igreja e a presença da igreja na maioria das nações do mundo ou em todas elas mostra que o poder que Satanás tinha no Antigo Testamento de “enganar as nações” e mantê-las nas trevas acabou.
Na visão amilenista, argumenta-se que, como João viu as “almas” e não os corpos físicos no versículo 4, essa cena deve estar ocorrendo no céu. Quando o texto diz que “eles ressuscitaram”, não quer dizer que ressuscitaram fisicamente. Isso possivelmente significa que eles simplesmente “viveram”, já que o verbo no aoristo ezesan pode facilmente ser interpretado como a afirmação de um evento que ocorreu por um longo período de tempo. Alguns intérpretes amilenistas, no entanto, tomam o verbo ezesan como significando que “eles vieram à vida” no sentido de vir a uma existência celestial na presença de Cristo e começar a reinar com Ele do céu.
Conforme essa visão, a expressão “primeira ressurreição” (v. 5) refere-se a ir para o céu para estar com o Senhor. Essa não é uma ressurreição corporal, mas uma ida à presença do Senhor no céu. De modo semelhante, quando o versículo 5 diz que "o restante dos mortos não voltou a viver até se completarem os mil anos", isso é entendido como se eles não tivessem vindo à presença de Deus para juízo até o final dos mil anos. Assim, tanto no versículo 4 quanto no 5, a expressão “voltou a viver” significa ir para a presença de Deus. (Outra posição amilenista da “primeira ressurreição” é a que se refere à ressurreição de Cristo e à participação dos crentes na ressurreição de Cristo por meio da união com Ele).
2. O segundo argumento muitas vezes propostos em favor do amilenismo é o fato de que a Escritura ensina somente uma ressurreição, tanto os crentes como os descrentes serão levantados da morte, não duas ressurreições (a ressurreição de crentes antes de o milênio começar e a ressurreição de descrentes para o juízo após o fim do milênio).
Evidência a favor de uma única ressurreição é encontrada em versículos como João 5.28-29, nos quais Jesus diz: "Não fiquem admirados com isto, pois está chegando a hora em que todos os que estiverem nos túmulos ouvirão a sua voz e sairão; os que fizeram o bem ressuscitarão para a vida, e os que fizeram o mal ressuscitarão para serem condenados". Aqui Jesus fala de uma única “hora” em que tantos crentes como descrentes mortos sairão de suas tumbas (ver também Daniel 12:2; Atos 24.15).
3. A ideia de crentes glorificados e de pecadores vivendo na terra juntos é muito difícil de aceitar. Berkhof diz:
É impossível entender como uma parte da velha terra e da humanidade pecadora poderá coexistir com uma parte da nova terra e de uma humanidade já glorificada. Como poderão os santos em corpos glorificados ter comunhão com pecadores na carne? Como poderão os santos glorificados viver nesta atmosfera sobrecarregada de pecado e em cenário de morte e decadência? [6]
4. Em conclusão, os amilenistas dizem que a Escritura parece indicar que todos os eventos mais importantes que ainda estão por acontecer antes do estado eterno ocorrerão de uma só vez. Cristo vai retornar, haverá uma só ressurreição de crentes e descrentes, o juízo final acontecerá, e o novo céu e a nova terra serão estabelecidos. Então, entraremos imediatamente para o estado eterno, sem qualquer milênio futuro.

BIBLIOGRAFIA

CLOUSE, Robert G. Milênio - significado e interpretações, Trad. Glauber Meyer Pinto Ribeiro, Campinas: Luz Para o Caminho.
ERICKSON. Millard J., Opções contemporâneas na escatologia - um estudo do milênio. Trad. Gordon Chown, São Paulo: Vida Nova, 1991.
BERKHOF, Teologia Sistemática, 3. Ed. revisada, trad. Odair Olivetti, São Paulo: cultura Cristã, 2007.
FERREIRA, Franklin, MYATT, Alan, Teologia Sistemática, São Paulo: Vida Nova, 2007.

Obs.: o presente trabalho de pesquisa foi apresentado na disciplina “Teologia Sistemática” do profº Moisés Bezerril, STNe, tendo sido organizado pelos seminaristas José Francisco e Luiz Ferreira (4º ano) a partir de materiais retirados dos sites www.monergismo.com e http://www.amilenismo.com/, a quem nós agradecemos de coração.

[1] CLOUSE, Milênio - significado e interpretações. Trad. Glauber Meyer Pinto Ribeiro. Campinas: Luz Para o Caminho, p. 202.
[2] ERICKSON, Opções contemporâneas na escatologia - um estudo do milênio. Vida Nova, p. 170.
[3] BERKHOF, Teologia Sistemática, p. 653.
[4] FERREIRA, Teologia Sistemática, p. 1103.
[5] Segue-se aqui a discussão de Hoekema, na obra Milênio: significado e interpretações, Robert G. Clouse, org. (Cultura Cristã), p. 141-170.
[6] BERKHOF, Teologia Sistemática, p. 658.